A SOCIEDADE ADOECIDA E OS PAIS DE BEBÊS REBORN

Em uma era onde a hiperconexão segue prometendo nos aproximar uns dos outros, testemunhamos, desacreditados, fenômenos sociais que nos fazem refletir sobre o tipo de sociedade que temos pavimentado para as gerações vindouras. Recentemente, tem crescido, agora nãos mais silenciosamente, o fenômeno dos chamados “pais” de bebês reborn – bonecos hiper-realistas projetados para simular bebês de verdade. O que começou como um nicho artístico se transformou em um reflexo inquietante das carências emocionais de nossa sociedade.

Ao buscarmos as motivações e as respostas para as nossas indagações acerca dessa catarse, encontraremos uma gama de razões: luto pela perda de filhos, busca por consolo materno/paterno ou até mesmo o desejo de preencher uma lacuna afetiva deixada por relações ausentes ou fracassadas. Mas será saudável esse tipo de substituição? Até que ponto um objeto inanimado pode ou deve ocupar o lugar de uma experiência real, com todas as suas dores e belezas? E como se ousaria a levar isso a propósitos tão sérios e complexos, como o de levar um bebê reborn a um hospital, exigindo que seja tratado por uma equipe médica, extenuada, muitas vezes, pelos cansativos plantões e dilemas enfrentados? Tudo tem limite!

Os bebês reborn, ao oferecerem uma perfeição inerte, eliminam a complexidade inerente às relações humanas. Não há choro incontrolável, noites sem dormir ou outras experiências vivenciadas por quem exerce a paternidade/maternidade de forma real. Mesmo sem culpa alguma, esses bonecos simbolizam uma desconexão que se aprofunda, qual seja, a incapacidade de lidar com a imprevisibilidade das emoções alheias e nesse jaez, ao invés de promoverem cura e acalanto às vidas abaladas no teor psicológico, podem reforçar uma alienação perigosa.

Mais preocupante ainda é a mercantilização da ideia de maternidade e paternidade em torno desses bonecos. Empresas lucram ao vender não apenas os bebês, mas também acessórios como carrinhos, mamadeiras e até roupas de grife. Tudo isso para alimentar uma simulação emocional que, na melhor das hipóteses, anestesia momentaneamente uma dor e, na pior, perpetua um ciclo de fuga da realidade.

Além disso, há o risco de que essa prática normalize a substituição de relações reais por vínculos ilusórios. Em vez de buscarmos apoio em comunidades, amigos ou até profissionais da saúde mental, acabamos mergulhando em um mundo onde não há espaço para o diálogo, mas apenas para a repetição de padrões estéreis, disfuncionais, sem nexo algum, sem futuro, no sentido mais literal da expressão.

A sociedade adoecida que abraça os bebês reborn como solução para suas dores emocionais é a mesma que negligencia debates profundos sobre direitos da criança, sobre saúde mental, vínculos afetivos e o impacto das relações superficiais promovidas pelas redes sociais. Ao invés de enfrentar os desafios emocionais, buscamos alívio imediato em simulacros que, no fundo, não nos devolvem a humanidade perdida.

Os bebês reborn, bonecos apenas, coitados, não são os culpados; são sintomas de algo muito maior. Ao nos encantarmos por sua perfeição plástica e pela ilusão de controle emocional que proporcionam, esquecemos que a verdadeira riqueza das relações está nas imperfeições, nos desafios e nas conquistas que só podem surgir em conexões reais.

A pergunta que fica é: quantos de nós estamos trocando o caos e a beleza da vida autêntica pela comodidade de um afeto falso? A febre dos bebês reborn não é apenas uma curiosidade social, mas sim, um alerta sobre o tipo de sociedade adoecida e sem rumo na qual estamos nos tornando.

 

Por Delmiro Gomes Neto

Advogado e Professor do Curso de Direito do UNIFIP. Tem mestrado em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos.

 

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