Entre 3 e 20 milhões de anos atrás, o maior predador já identificado por cientistas caçava nos oceanos da Terra. Conhecido como megalodonte (Otodus megalodon), esse tubarão primitivo podia chegar a até 24 metros de comprimento, tinha dentes do tamanho de mãos humanas e era capaz de morder suas presas com a força de uma prensa hidráulica industrial.

Como lembra a revista Smithsonian, praticamente tudo o que se sabe sobre esse animal foi determinado a partir de seus dentes, já que a sua estrutura esquelética cartilaginosa não favoreceu a preservação ao longo do tempo. Mas, agora, uma abordagem de avaliação voltada para o conteúdo mineral de sua dentição sugere informações inéditas a respeito da alimentação desse predador.

Se até recentemente os paleontólogos presumiam que os megalodontes satisfaziam sua necessidade diária de 100 mil kcal comendo principalmente baleias, o novo estudo aponta para uma dieta muito mais diversificada. Os resultados encontrados foram descritos em um artigo publicado nessa segunda-feira (26) na revista científica Earth and Planetary Science Letters.

 

Avaliação de zinco nos dentes

A nova técnica de avaliação da dieta do megalodonte partiu da proporção de diferentes isótopos de zinco nos seus dentes. Isso porque os animais absorvem esse mineral apenas por meio da predação, consequentemente, indicando partes de seus hábitos alimentares.

Os dentes usados na análise vieram de depósitos fósseis em Sigmaringen e Passau, na Alemanha, onde passa um estuário com 200 metros de profundidade.

Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que músculos e órgãos absorvem mais do isótopo zinco-64 do que zinco-66, o que significa que quanto mais alto na cadeia alimentar um animal está, mais carne ele come, e menos zinco-66 ele absorve. Na prática, portanto, a proporção de zinco-66 para zinco-64 também é menor.

O modelo de um megalodonte no Museu do Castelo de Linz, na Áustria — Foto: OÖ Landes-Kultur GmbH
O modelo de um megalodonte no Museu do Castelo de Linz, na Áustria — Foto: OÖ Landes-Kultur GmbH

 

“Como não sabemos qual era a proporção dos dois isótopos de zinco na base da pirâmide alimentar naquela época, comparamos os dentes de várias espécies de tubarão pré-históricas e atuais entre si e com outras espécies animais”, explica Jeremy McCormack, coautor do estudo, em comunicado. “Isso nos permitiu ter uma ideia da relação predador-presa há 18 milhões de anos”.

Sem surpresa, as proporções isotópicas nos dentes colocaram o megalodonte no topo da cadeia alimentar, ao lado de parentes próximos do tubarão, como o Otodus chubutensis. Ao mesmo tempo, porém, os cientistas notaram que não havia uma grande diferença entre o megalodonte e animais de nível inferior na cadeia, sugerindo que eles se alimentavam de criaturas de todos os tipos.

Esse comportamento alimentar generalista aproxima o megalodonte do tubarão-branco, um de seus descendentes modernos, cuja estratégia de caça envolve comer basicamente qualquer outro animal que esteja disponível no ambiente. Isso inclui, por exemplo, outros peixes e até alguns mamíferos.

O sargo, que se alimentava de mexilhões, caracóis e crustáceos, constituía o nível mais baixo da cadeia alimentar no passado. Espécies menores de tubarão, como o réquiem e os ancestrais dos golfinhos e baleias, vinham em seguida.

Jeremy McCormack com um dente fossilizado de megalodonte (Otodus megalodon) — Foto: Uwe Dettmar para a Universidade Goethe

Jeremy McCormack com um dente fossilizado de megalodonte (Otodus megalodon) — Foto: Uwe Dettmar para a Universidade Goethe

 

Tubarões maiores, como o tigre-de-areia, estavam mais acima na pirâmide alimentar. Já no topo estavam os gigantes Araloselachus cuspidatus e tubarões-otodus, que incluem o megalodonte.

“Acreditamos que o megalodonte era flexível o suficiente para se alimentar de mamíferos marinhos e peixes grandes, tanto do topo da pirâmide alimentar quanto dos níveis mais baixos, dependendo da disponibilidade”, explica McCormack. “Isso significa que a ideia de que os grandes tubarões se concentram em mamíferos marinhos precisa ser revista”.

 

Sucesso da abordagem inédita

Analisar dentes com base no conteúdo de zinco é um método muito novo, e a equipe admite estar satisfeita com os resultados abrangentes e coerentes do estudo. Os pesquisadores esperam que, no futuro, a abordagem possa ser utilizada para outras propostas – não apenas para espécies pré-históricas, mas até mesmo para exemplares ainda vivos.

“Determinar as proporções de isótopos de zinco nos dentes provou mais uma vez ser um instrumento valioso para reconstruções paleoecológicas”, observa Kenshu Shimada, coautor da descoberta. “Isso nos oferece percepções importantes sobre como as comunidades marinhas mudaram ao longo do tempo geológico, mas, mais importante, o fato de que mesmo os 'supercarnívoros' não estão imunes à extinção”.

 

Por  / revistagalileu.globo.com

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